Países africanos<br>retiram-se do TPI

Carlos Lopes Pereira

Três países africanos, entre os quais a África do Sul, um «peso pesado» continental, decidiram abandonar o Tribunal Penal Internacional (TPI). Acusam os juízes de Haia de só perseguir dirigentes africanos e de não tocar em políticos ocidentais suspeitos de crimes de guerra.

O Burundi, a 18 de Outubro, anunciou a sua retirada do Estatuto de Roma, texto fundacional do TPI. O Tribunal tinha aberto meses atrás um inquérito relacionado com acusações de assassínios, tortura e outras atrocidades cometidas por forças governamentais burundesas. O país confronta-se desde 2015 com uma vaga de violência entre apoiantes do presidente Pierre Nkurunziza e a oposição.

Também a África do Sul comunicou formalmente às Nações Unidas a decisão de sair do TPI, medida que só terá efeitos dentro de um ano. Pretória tinha-se recusado a deter, em 2015, em território sul-africano, o presidente Omar el-Bechir, do Sudão, acusado desde 2009 de «genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra», na região de Darfur. O governo sul-africano justifica a saída explicando que não pode continuar a ser árbitro de conflitos regionais se não cortar os laços com os juízes internacionais.

Igualmente a Gâmbia revelou que o país tem a intenção de deixar o TPI e condenou o que apelidou de «justiça caucasiana».

Numa declaração através da televisão nacional, o ministro da Informação gambiano, Sheriff Bojang, deplorou a «perseguição aos africanos», em especial aos seus dirigentes, e afirmou que «o Tribunal é branco e está pensado para fustigar e humilhar as pessoas de cor, em particular os africanos». Segundo Bojang, pelo menos 30 países ocidentais cometeram crimes de guerra desde a criação do TPI, sem terem sido inquietados. Como exemplo, apontou «a incapacidade do TPI de acusar o ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair pela guerra do Iraque».

O presidente gambiano, Yahya Jammeh, já antes tinha sugerido que o TPI deveria abrir uma investigação à União Europeia pelas suas responsabilidades na morte de milhares de migrantes africanos que tentam atravessar o Mediterrâneo e chegar à Europa.

Com argumentos semelhantes, o Chade, a República Democrática do Congo, a Costa do Marfim e a República Centro-Africana ponderam o abandono do TPI. Até hoje, nove dos 10 casos investigados pelo Tribunal foram em África e todos os cinco réus condenados são originários da República Democrática do Congo, da República Centro-Africana e do Mali.

O governo do Quénia, outrora um dos maiores defensores do Tribunal de Haia, manifestou em 2013 a intenção de sair. Na altura, o presidente Uhuru Kenyatta considerou que o TPI levava a cabo «uma caça racial» e era «utilizado para oprimir os africanos». O dirigente queniano era então acusado de crimes contra a humanidade, alegadamente, cometidos depois das eleições de 2007. Por falta de provas foram entretanto retiradas as acusações a Kenyatta, mas mantidas contra o seu vice-presidente, William Ruto, o que levou o Quénia, no início de 2016, numa reunião da União Africana (UA), a propor um «roteiro de saída» dos 34 membros africanos do Tribunal de Haia.

O veterano presidente Yoweri Museveni, do vizinho Uganda, prepara-se para defender, na próxima cimeira da UA, em Janeiro, o êxodo dos países africanos do TPI, que classifica de «um bando de gente inútil». O que, a concretizar-se, seria um golpe duro num organismo internacional que tem pautado a sua actuação de acordo com os interesses das potências ocidentais.

Crimes impunes

O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, apelou ao Burundi, à África do Sul e à Gâmbia para não deixarem o TPI e resolverem os seus diferendos através do diálogo com os outros membros.

A França também pediu aos três países africanos para «reconsiderar» a sua decisão e ofereceu-se para com eles estabelecer «um diálogo construtivo» sobre o sistema de justiça penal internacional. Para a diplomacia francesa, «a luta contra a impunidade é essencial para permitir o respeito dos direitos humanos, uma reconciliação e uma paz duráveis».

Com o cinismo habitual de potência europeia envolvida em várias intervenções militares em África e com uma política neocolonialista, a França pretende que o TPI desempenha um papel ímpar, já que é «a única jurisdição penal permanente de vocação universal».

Entre os 123 membros do TPI, que começou a funcionar em 2002, não figuram os Estados Unidos, a China, a Rússia, a Índia ou Israel. Isto significa que os crimes de guerra cometidos pelas tropas norte-americanas contra civis no Afeganistão e no Iraque ou pelas forças armadas de Israel contra o povo da Palestina se encontram fora da jurisdição do Tribunal Penal Internacional – permanecem impunes.




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